Cacauicultores paraenses finalmente conseguem acesso ao crédito

Embora a produção não pare de crescer, plantadores enfrentavam o desafio de obter financiamento oficial. Força-tarefa resolveu a situação

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A produção de cacau no Pará não para de crescer, mas, a falta de acesso ao crédito por pequenos produtores é o principal gargalo para o aumento da produtividade a fim de potencializar os ganhos. A fruta é plantada em sistemas agroflorestais – em consórcio com outras árvores – para garantir a viabilidade econômica da atividade. Identificado o problema, foi criada uma força-tarefa no último ano entre agricultores, indústrias, bancos públicos e organizações não-governamentais que atuam no Pará com o objetivo   destravar a liberação de crédito público para os produtores de cacau em agroflorestas de Tucumã, num primeiro momento.

A facilitação do crédito à pequena produção em modelos sustentáveis é um dos caminhos que a cadeia enxerga para potencializar os ganhos no setor, já que, embora os produtores com até 10 hectares respondam por cerca de 70% da área de cultivo da fruta no País, a produção total de cacau representa menos de 1 % do valor bruto de produção agrícola e, de 2013 a 2019, a recebeu misero 0,47% dos financiamentos do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), segundo dados da Comissão Executiva de Planejamento da Lavoura Cacaueira (Ceplac), Ministério da Agricultura e Banco Central.

O primeiro passo do arranjo setorial foi dado há cerca de dois anos, quando o Banco da Amazônia (Basa), apoiado pela cadeia produtiva, articulou com o Banco Central uma mudança da linha Pronaf Floresta para atender cacauicultores que poderiam realizar o cultivo mantendo a floresta em pé – modelo com forte potencial no Pará e bem vista como boa prática ambiental por importadores no exterior. O limite de financiamento da linha para projetos agroflorestais foi elevado de R$ 27 mil para R$ 60 mil a fim de contemplar o investimento mínimo necessário para implantar o cacau nesse sistema, que demanda ao menos três hectares para dar retorno financeiro. O prazo para pagamento continuou a ser de até 20 anos, 12 de carência e os juros, de 2,5% por ano.

Mas apenas o ajuste formal da linha ainda não era a condição suficiente para que os produtores tivessem acesso ao recurso. Entre os principais gargalos estava a inconformidade com a lei ambiental, além da falta de conhecimento técnico dos produtores para apresentarem seus pleitos aos bancos.

Foi aí que entrou a colaboração das associações de produtores do Pará, entidades regionais de assistência técnica, a fabricante de chocolate Mondelez, que atua com os produtores no projeto Cocoa Life, a trading Olam, as organizações Partnerships for Forests (P4F), financiada pelo governo britânico, e a The Nature Conservancy (TNC), que atua na região com o projeto Cacau Floresta, para oferecer suporte técnico.

A força-tarefa realizou a ponte com os produtores através do projeto Cocoa Life, que atendeu no ano passado 123 produtores. “Foi feita triagem de quem estaria apto a buscar crédito e estes passaram a receber auxílio para estruturar pedidos ao Basa”, disse Mareio Sztutman, diretor da P4F para América Latina.

O resultado mais tangível ocorreu em janeiro, quando o banco celebrou contratos de financiamento para oito produtores, totalizando R$ 400 mil. Já há mais 70 produtores em processo de obtenção de crédito e a expectativa é que o número cresça “exponencialmente”, disse Sztutman. A próxima leva de liberações deve ocorrer no segundo semestre em Altamira, indicou o Basa.

“A cadeia deu apoio para fornecer os arranjos, como com consórcio de cacau, banana, feijão, ajustando o modelo para cada produtor”, explicou Misael Moreno, gerente do Banco da Amazônia.

“Houve um arranjo único entre os agentes da cadeia, em diálogo com o agente financeiro. Esse valor pode crescer não só no sudeste do Pará, mas em outras regiões que enfrentam gargalos similares”, acrescentou Mareio Sztutman, diretor da P4F para América Latina.

O próximo passo que os envolvidos querem dar é construir um centro de assistência técnica privado que terá custos compartilhados entre as empresas do setor industrial e os agricultores. “Hoje a Ceplac não tem técnicos para garantir ampliação da assistência”, argumentou. O retorno para as indústrias e para os produtores, segundo ele, se dará em aumento da oferta e da qualidade das amêndoas.

Os produtores atendidos pelo Cocoa Life em 2019 e que cumpriram com requisitos ambientais, trabalhistas e agronômicos receberam da Mondelez, pela primeira vez desde o início do programa no Brasil, um bônus de US$ 50 por tonelada, valor que deve mudar conforme o ano. Em 2020, 250 produtores serão beneficiados pela assistência oferecida pelo programa. “A restauração [da vegetação] para cumprimento do Código Florestal facilita o acesso a crédito”, ressaltou Jens Hammer, CEO do Cocoa Life no Brasil.

Um dos pilares do Cocoa Life é dar suporte para impulsionar a produtividade, que é considerada pela indústria como o caminho para a melhoria de renda. Segundo a Mondelez, quem participa do projeto pode aumentar a renda familiar em até 30% em cinco anos de participação.

Para este ano, a Mondelez quer estender o apoio técnico aos cacauicultores da Bahia. Lá, a companhia já atua com a Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) através do projeto Renova Cacau, hoje voltado ao desenvolvimento de variedades mais tolerantes a adversidades climáticas e doenças, como a vassoura-de-bruxa, praga que quase dizimou a lavoura cacaueira baiana no passado.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu, em Brasília