Obstrução ameaça retomada de votações na Câmara dos Deputados

Há mais de 30 dias nada é votado na Casa

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Brasília – Apenas dois itens estão na retomada de votações da Câmara dos Deputados prevista para a quarta-feira (18). Entretanto, os deputados de oposição prometem continuar obstruindo as votações. A indefinição quanto ao comando na Comissão Mista de Orçamento também pode levar partidos da base de sustentação do governo a participar da obstrução, que tem impedido a votação de projetos na Casa há mais de um mês.

Na pauta, uma medida provisória (MP 993/2020) que autoriza o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a prorrogar contratos de pessoal por tempo determinado, e um projeto de lei (PL 4199/2020), o chamado PL do Mar, que libera progressivamente o uso de navios estrangeiros na navegação entre portos nacionais, sem a obrigação de contratar a construção de embarcações em estaleiros brasileiros. Essa proposta, de autoria do Executivo, está com a urgência constitucional vencida e, por isso, tem que ser analisada prioritariamente porque tranca a pauta [impede a análise de outras propostas].

O líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR), acredita que será possível destrancar a pauta e permitir a análise de outros itens considerados importantes.

“A nossa expectativa para as votações nesta semana é de vencermos o PL do Mar, o projeto da cabotagem que está trancando a pauta há bastante tempo e avançarmos na negociação de demais matérias, como o Banco Central independente, os projetos que tratam dos fundos públicos e da negociação com os estados e avançarmos também em pautas importantes para a questão econômica do Brasil”.

Ao sair de reunião com o presidente Jair Bolsonaro na semana passada, Barros já havia anunciado prioridade para as propostas que tratam de autonomia do Banco Central (PLP 19/2019) e de ajuda da União aos estados (PLP 101/2020). A outra proposta citada por Barros é a que libera verbas de fundos públicos para enfrentamento da pandemia de Covid-19 (PLP 137/2020).

Mas a oposição promete continuar trabalhando para impedir qualquer votação pelo Plenário enquanto a Medida Provisória 1.000/2020, que prorroga o auxílio emergencial, mas na metade do valor, ou seja, R$300, não for pautada. Os deputados de oposição querem tentar retomar o valor inicial do auxílio, de R$ 600, como comentou a líder do PCdoB, deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), que afirma que também não há acordo para o PL do Mar.

“É preciso manter a renda das pessoas que perderam o emprego durante essa pandemia. E pra isso nós da oposição queremos votar a medida provisória 1.000, porque o governo cortou pela metade o auxílio emergencial. Esse é o principal motivo de nós da oposição estarmos fazendo obstrução. Por outro lado, o governo quer votar o projeto de lei da cabotagem, que desmonta toda a indústria naval no país. Vamos ter que ter muita conversa pra chegar a um entendimento”.

Prorrogar o auxílio emergencial de R$ 300 custaria R$ 45,9 bi ao ano, diz estudo publicado pelo Instituto Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado.

A obstrução de partidos da oposição vem sendo acompanhada por partidos como Avante, PL, PP e PSD, mas por outro motivo: as disputas na instalação da Comissão Mista de Orçamento. Esse cenário também poderá dificultar as votações nesta semana.

O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, alertou para o risco de piora na economia caso a base do governo continue a obstruir a pauta do Plenário e impeça a votação de propostas importantes. Para esta semana, Maia disse que pautaria proposta de emenda à Constituição que institui cota para mulheres nas câmaras de vereadores, assembleias legislativas e na Câmara dos Deputados (PEC 134/2015).

Articulação

Os líderes do Congresso se reúnem nesta terça-feira (17) para negociar a pauta de votações no período pós-eleições, mas a reta final dos trabalhos não deve contemplar reformas importantes da agenda econômica, como as propostas de emenda à Constituição (PEC) do ajuste fiscal. Com resultados inconclusivos nas urnas de 16 capitais, a expectativa é que parlamentares ainda estejam envolvidos com compromissos eleitorais no segundo turno.

Na área econômica, a pauta tem se concentrado em projetos menos polêmicos, como as mudanças na Lei de Falências (PL 6229/2005) e o Novo Mercado do Gás (PL 6.407/2013), aguardando análise e votação há sete anos no Senado.

Também deve ser pautada a discussão sobre o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2021. Sem o texto, técnicos afirmam que será impossível administrar o Orçamento no ano que vem, já que não haveria regras sobre como o dinheiro deve ser gasto.

Enquanto isso, textos considerados prioritários pelo time do ministro Paulo Guedes, como a PEC emergencial, que ativa gatilhos para ajudar no cumprimento do teto de gatos, estão parados. O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), admitiu que o calendário está muito apertado para aprovar projetos relevantes da pauta econômica, como essa proposta. Segundo ele, está no radar suspender o recesso de janeiro para tentar avançar com as medidas.

“O problema é o calendário apertado. Não está descartada a possibilidade de o Congresso trabalhar em janeiro,” disse o líder.

Segundo o parlamentar, tudo indica que não haverá sessão do Congresso na quarta-feira, o que vai adiar a votação do veto a trecho do marco legal do saneamento básico.

Na equipe econômica, já há quem espere que o encaminhamento da agenda de reformas fique para o ano que vem e só avance após as eleições para presidentes da Câmara e do Senado, marcadas para fevereiro. Segundo uma fonte, o clima de sucessão nas duas Casas dificulta o debate de medidas consideradas polêmicas.

Por Val-André Mutran – de Brasília