Ulisses Pompeu: crônica boicotada

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O medo que a gente tinha da pinta miúda

“Naquele tempo, a gente aprendia que para a pinta crescer devia esticar,esticar e esticar como se fosse uma baladeira feita com liga de soro”

Por Ulisses Pompeu *

pintoVou confessar uma coisa pra vocês. Tenho um amigo de trabalho que vive aperreado com alguns e-mails que recebe. Semanalmente, lhe enviam propostas de aumentar a pinta. “Olá! Esta é sua chance de aumentar o pênis em espessura e tamanho”.

E continua: “Método seguro e recomendado pela classe médica. Em pouco tempo alcança o resultado desejado. Tenha orgasmos mais demorados e intensos. Auxilia na ejaculação precoce. Combate a impotência sexual…”.

Além de tudo, oferta “ereções em menos de meio minuto… E muito mais! Acesse nosso site. Conheça o produto. Leia os testemunhos. Irá te surpreender. Acesse www.superaumento.net”.

E aí, meu amigo, preocupadíssimo, achou que alguma foto íntima dele havia vazado na rede e os robozinhos do Google teriam identificado o seu trauma. Para acalmá-lo, disse que também recebia vários spans com a proposta de esticar. Mas é preciso dizer que não vou revelar o nome do amigo, nem em outra crônica.

Ora, ora, tem uma época na vida em que o tamanho não nos tortura tanto como machos. Quando meninos, de calções sem cueca, o tamanhozinho ainda não é imperativo. Tanto que mijávamos no pé do poste, do meio fio, sem fazer cerimônias para esconder o pirulito. Naquele tempo, diferente das propostas hoje pela Internet, a gente aprendia que para a pinta crescer devia esticar, esticar e esticar como se fosse uma baladeira feita com liga de soro.

Mas as coisas vão mudando. Na escola, na rua, nas revistas fomos “crendo” que tamanho era documento. Quem tinha milonga avantajada, a pivetada encarnava. Mais por inveja. Chamavam de “Mangueira”, “Três pernas”, “Coca-Cola no bolso”, “aloprado”, “bengala”, “jiboia”…

Mas o pênis tem, hoje, muito mais apelidos. É bom que se diga que o primeiro nome que ouvi na infância para denominar esse membro do meu corpo era pinta (uma variação de pinto). Por aí, a gente houve a galera falando em alavanca, bengala, bráulio, cacete, cobra, espeto, ferramenta, manjuba, pau, pepino, pica, piroca, piu-piu, rola, trolha, vara, entre outros.

Lá no futuro, o rapaz diferente seria cantado em verso e cordel por causa do “defeito” de nascença. Cobiçado por meninas e, também, pelos homens afeitos a olhar os alheios mijando nos banheiros de shoppings e terminais de ônibus.

Pois muito bem. Quase todo adolescente, um dia, pegou a trena ou a régua e se trancou para medir o que tinha. Em grupo ou sozinho. Quando foi além da média, saiu se empabulando e, por qualquer coisa, botava a bicha pra fora. E os outros admiravam. Empunha respeito…rsrsrs.

Essa ditadura do tamanho e do machismo que vai nos equivocando. É paia, como dizia Eliezer Santana (ele não é o amigo do trabalho preocupado com os emails, fique dito). Ter uma pomba miúda, mediana ou graúda, não é garantia de menos ou mais prazer.

Mas é assim, sobrecarregamos a pinta e lhe atribuímos poder demais. Coitada! Tem de ser sempre potente, nunca falhar, ser provedora, fértil, ereta, quilométrica, negona… Li algo parecido num livro de Garcia Marquez que não me lembro o título agora.

O machismo ainda me consome além da conta, mas prefiro os prazeres possíveis. O inimaginável fica para os spans que prometem transformar um botão no tronco de castanheira.

E que besteira, a dependência da pinta (miúda ou grande)! Como diz outro amigo meu, o Edson Arruda, “é mais fácil mudar a genitália de alguém do que sua mente”.

* O autor é jornalista do CORREIO há 21 anos e escreve crônica nas edições das quintas-feiras

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