Marabá – Decisão do TSE inocenta João Salame por compra de votos nas eleições de 2010

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Por Wilson Rebelo – de Marabá

salame-1O prefeito de Marabá, João Salame Neto (foto), pode respirar aliviado. Em decisão monocrática, o ministro Henrique Neves da Silva, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), reformou a decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Pará (TRE-PA), e inocentou Salame das acusações de compra de votos, que teria ocorrido ainda nas eleições de 2010. Agora, com a decisão do ministro Neves da Silva, deixa de existir qualquer empecilho à re-candidatura de Salame ao cargo de prefeito nas eleições do ano que vem.

Salame chegou a ser afastado do cargo de prefeito de Marabá em 2013, uma vez que de acordo com a interpretação da juíza Ezilda Pastana e da maioria do TRE-PA, a condenação geraria inelegibilidade e perda do mandato de prefeito conquistado em 2012.

Na época, uma liminar foi concedida pelo TSE e Salame foi reintegrado ao cargo poucos dias após o afastamento.

A decisão deverá ser publicada amanhã no Diário Oficial, mas já está disponível no site do TSE.

Assim, para preocupação dos seus opositores, João Salame ao que tudo indica virá com força total para concorrer á reeleição em Marabá.

No LEIA MAIS (abaixo), a íntegra da longa sentença que inocentou o prefeito João Salame Neto.

RECURSO ORDINÁRIO Nº 3228-38.2010.6.14.0000 – CLASSE 37 –
BELÉM – PARÁ
Relator: Ministro Henrique Neves da Silva
Recorrente: João Salame Neto
Advogados: Inocêncio Mártires Coelho Junior e outros
Recorrentes: Ariovaldo Miranda Borges e outro
Advogados: José Maria dos Santos Vieira Junior e outro
Recorrentes: Érica dos Santos Vilarins e outro
Advogada: Defensoria Pública da União
Recorrido: Ministério Público Eleitoral
AÇÃO CAUTELAR Nº 836-13.2013.6.00.0000 – CLASSE 1 – BELÉM – PARÁ
Relator: Ministro Henrique Neves da Silva
Autor: João Salame Neto
Advogados: Inocêncio Mártires Coelho Junior e outros
Réu: Ministério Público Eleitoral

DECISÃO
Trata-se de recursos ordinários interpostos por João Salame Neto – candidato eleito ao cargo de prefeito no Município de Marabá/PA nas Eleições de 2012 – (fls. 1.228-1.250), Ariovaldo Miranda Borges e Márcio da Costa Lima (fls. 1.305-1.322) e Érica dos Santos Vilarins e José Carlos Bezerra de Souza (fls. 1.325-1.329) contra o acórdão do Tribunal Regional Eleitoral do Pará que, por maioria, rejeitou matéria preliminar e, no mérito, julgou parcialmente procedente a ação de investigação judicial eleitoral, ajuizada com base no art. 22, XIV, da Lei Complementar nº 64/90, que condenou os recorrentes por captação ilícita de sufrágio, bem como declarou o primeiro recorrente inelegível pelo prazo de oito anos, a contar do pleito de 2010, cassando-lhe o diploma, nos termos do art. 15 da Lei Complementar nº 64/90.

Eis a ementa do acórdão regional (fls. 1.121-1.122):

REPRESENTAÇÃO. PRELIMINAR. VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. REJEIÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CONFIGURAÇÃO. DESNECESSIDADE DE CONTRAPARTIDA EXPLÍCITA. MULTA. INELEGIBILIDADE. SANÇÃO PERSONALÍSSIMA. CASSAÇÃO DE DIPLOMA. EFEITO IMEDIATO.

  1. Não há falar em violação do contraditório e da ampla defesa quando houver prova nos autos de que a parte e/ou seu patrono são cientificados acerca dos atos processuais por intermédio dos meios de comunicação disponíveis, especialmente através do Diário da Justiça Eletrônico.
  2. Inexistindo comprovação da participação de um agente na empreitada ilícita, não tendo ele conhecimento comprovado de que a ação se destinava à captação ilícita de sufrágio, impõe-se a absolvição do mesmo.
  3. A captação ilícita de sufrágio, prevista no art. 41-A da Lei
    n° 9.504/97, se configura toda vez que um candidato doa, oferece, promete ou entrega, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive.
  4. Resta superado o entendimento de que a captação ilícita de sufrágio deve ser explícita, bastando, para sua configuração, a evidência de que a vantagem oferecida/doada vise obter, como contrapartida, apoio político dos beneficiários, entendimento este atualmente previsto no § 1° do art. 41-A da Lei n° 9.504/97.
  5. Extraindo-se dos elementos constantes dos autos que restam preenchidos todos os requisitos do art. 41-A da Lei n° 9.504/97, a aplicação da multa prevista em tal norma, que deve ser fixada no grau máximo quando o esquema de captação ilícita de sufrágio decorrer de sistema complexo, bem como for objeto de ação reiterada.
  6. O quantum da multa deve, ainda, levar em consideração a condição econômica dos representados, nos termos do art. 367, III, do Código Eleitoral.
  7. A multa, inicialmente estipulada em UFIR, por força da Lei
    n° 9.505/97, deve ser convertida em reais, tendo em mira que a UFIR não mais subsiste no ordenamento legal, pois sua lei instituidora, Lei n° 8.383/91, foi revogada pela MP n° 1.973-67/2000, convertida na Lei n° 10.522/2002, tendo assumido como último valor de conversão R$ 1,0641.
  8. Não havendo o pagamento das multas no prazo de 30 (trinta) dias, a partir do trânsito em julgado, nos termos do art. 367, III, do Código Eleitoral, deve ser promovida execução fiscal para a cobrança da dívida, quando então deverá incidir, nos termos dos arts. 29 e 30 da Lei n° 10.522/02, inscrição em Dívida Ativa da União, passando a incidir juros de mora equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, até o último dia do mês anterior ao do pagamento, e de 1% (um por cento) no mês de pagamento.
  9. A condenação enseja ainda a inelegibilidade, para qualquer cargo, pelo prazo de 08 (oito) anos a contar da respectiva, nos termos do art. 1°, l, “j”, da Lei Complementar nº 64/90, bem como a nulidade do diploma expedido, por força do disposto no art. 15, caput, da Lei Complementar nº 64/90.
  10. Em se tratando a inelegibilidade de sanção personalíssima, ele não alcança candidato eleito ao cargo de vice-prefeito, que deve assumir a Prefeitura do respectivo Município.
  11. A nulidade do mandato de Prefeito possui efeito imediato, na esteira do entendimento do e. Tribunal Superior Eleitoral e desta Corte.
  12. Parcial procedência.

Opostos embargos de declaração (fls. 1.253-1.262) por Ariovaldo Miranda Borges e Márcio da Costa Lima, foram eles rejeitados em acórdão assim ementado (fl. 1.292):

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO E OBSCURIDADE. PRETENSÃO DO EMBARGANTE DE REDISCUTIR MATÉRIA JÁ APRECIADA. REJEIÇÃO DOS EMBARGOS

  1. A oposição de embargos declaratórios sem que os requisitos do artigo 275, I e II, do Código Eleitoral denota o uso equivocado desse recurso que, em princípio, deveria ser utilizado como um mecanismo predisposto para o aperfeiçoamento da atividade jurisdicional.
  2. Embargos de declaração rejeitados.

O recorrente João Salame Neto alega, em suma, que:

  • a) Tribunal de origem violou o art. 5º, LIX e LV, da Constituição, porquanto os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Ministério Público ocorreram por meio de carta precatória e o seu advogado, bem como o representante da Defensoria Pública da União-DPU só compareceram à audiência em que foi colhido o depoimento da testemunha Marcelo Alves;
  • b) o seu representante legal foi intimado da expedição das cartas precatórias, porém não foram cientificados da data das respectivas audiências nos juízos deprecados;
  • c) era dever constitucional dos juízos deprecados nomear defensores ad hoc para atuar na defesa dos representados nas audiências em que foram colhidas as provas orais arroladas pela acusação;
  • d) segundo o STF, a aplicação da Súmula 273 do STJ é relativizada, pois o juízo deprecado deve intimar a DPU da localidade para comparecer à audiência de oitiva de testemunha da acusação quando houver réu assistido pela justiça gratuita;
  • e) a sua defesa foi prejudicada porque a Corte Regional Eleitoral considerou os depoimentos prestados no curso da instrução para fundamentar a sua condenação;
  • f) a Corte Regional Eleitoral não se manifestou sobre a constitucionalidade da produção de prova judicial sem a presença do acusado ou de defensor técnico;
  • g) houve ofensa ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, porquanto o Tribunal a quo lhe decretou a pena de inelegibilidade, bem como determinou a cassação do seu diploma referente ao cargo de prefeito no Município de Marabá/PA, conquistado nas Eleições de 2012, em decorrência de representação originária do pleito de 2010, quando concorreu ao cargo de deputado estadual;
  • h) consoante o STF, as alterações da Lei Complementar
    nº 135/2010 são inaplicáveis ao pleito de 2010 em face do princípio da anterioridade;
  • i) ocorreu o trânsito em julgado da decisão que deferiu o registro da sua candidatura e da expedição do seu diploma para o cargo de prefeito municipal de Marabá/PA, pois não houve ajuizamento de nenhuma ação eleitoral apontando inelegibilidade decorrente do pleito de 2010;
  • j) não ficou configurado o delito de captação ilícita de sufrágio, porque a aquisição de combustível destinado aos funcionários da sua campanha e às pessoas que participaram da carreata realizada na véspera do pleito de 2010 foi registrada na prestação de contas da sua campanha eleitoral.

Requer o provimento do recurso, a fim de que o acórdão recorrido seja reformado ou anulado.

Nas razões do apelo (fls. 1.305-1.322), Ariovaldo Miranda Borges e Márcio da Costa Lima sustentam, em suma, que:

  • a) o julgamento do Tribunal de origem seria nulo por violação ao art. 5º, LV e LIV, da Constituição Federal, visto que não puderam confrontar as alegações da acusação e das suas testemunhas;
  • b) a violação do direito ao contraditório e à ampla defesa resultou em prejuízo real e irreversível, porque os seus pontos de defesa nem sequer foram analisados de forma completa pelo Tribunal a quo, que tomou como premissa o fato de que a carreata do dia 2.10.2010 não teria ocorrido;
  • c) a Corte Regional Eleitoral preocupou-se de forma excessiva na análise das questões referentes à defesa do deputado estadual João Salame Neto, porém deixou lacunas em relação às suas alegações;
  • d) segundo a jurisprudência desta Corte Superior, a caracterização do delito captação ilícita de sufrágio exige o preenchimento, cumulativamente, dos núcleos previstos no art.41-A da Lei nº 9.504/97;
  • e) não há falar em captação ilícita de sufrágio, porquanto ficou comprovado na prestação de contas de campanha do candidato João Salame Neto que o combustível estava reservado para as pessoas que iriam participar da carreata realizada na véspera da eleição.

Requerem a nulidade ou a reforma total da decisão recorrida.

Nas suas razões recursais (fls. 1.325-1329), Érica dos Santos Vilarins e José Carlos Bezerra de Souza sustentam, em suma, que:

  • a) houve cerceamento de defesa, visto que não foram intimados para comparecer às audiências realizadas no juízo eleitoral nem foi nomeado defensor ad hoc para representá-los na instrução processual;
  • b) o abastecimento de veículos durante a campanha de João Salame Neto ocorreu de forma lícita e foi devidamente registrado na sua prestação de contas de campanha;
  • c) o combustível foi utilizado para a realização da carreata, inexistindo indício de compra de votos.

Requerem o conhecimento e o provimento do recurso ordinário, de modo a declarar nulo o acórdão regional ou, subsidiariamente, que seja reformada a decisão recorrida para julgar improcedente a representação.

O Ministério Público Eleitoral apresentou contrarrazões, às  fls. 1.332-1.337v, nas quais pugna pelo improvimento dos recursos ordinários, nos seguintes termos:

  • a) não houve cerceamento de defesa, porque os advogados dos recorrentes foram intimados por meio do Diário da Justiça Eletrônico e os representados não encontrados foram assistidos pelo Advogado da União, subscritor das suas peças de defesa;
  • b) ficou comprovada nos autos a ocorrência do delito de captação ilícita de sufrágio, pois, durante o período eleitoral de 2010, houve, com consentimento do então candidato a Deputado Estadual JOÃO SALAME NETO, a realização de uma das condutas descritas no dispositivo legal (doação de vantagem pessoal a eleitores, através de pessoas interpostas), com precípuo escopo de obtenção de votos.” (fl. 1.335);
  • c) não se mostra devidamente comprovada a participação de Jucélia Gomes Soares no delito previsto no art. 41-A da Lei das Eleições, mas o dolo específico está suficientemente demonstrado no que se refere aos demais demandados.

A douta Procuradoria-Geral Eleitoral, no parecer de  fls. 1.343-1.354, opinou pelo desprovimento dos apelos de Ariovaldo Miranda Borges e Márcio da Costa Lima e pelo provimento parcial do recurso manejado por João Salame Neto, aduzindo que:

  • a) não houve violação ao art. 5º, LV e LIV, da Constituição Federal, uma vez que existe prova nos autos de que os representados e os seus patronos foram cientificados acerca da expedição da carta precatória para a inquirição da testemunha Danilo de Jesus Campos Santos pelos meios de comunicação disponíveis;
  • b) inexiste previsão legal de nomeação de defensores ad hoc nas hipóteses de ausência dos advogados constituídos na audiência de inquirição de testemunhas;
  • c) o conjunto fático-probatório dos autos comprova a prática do delito de captação ilícita de sufrágio, decorrente do fornecimento de combustível a eleitores em troca de votos e apoio político;
  • d) nos termos do art. 15 da Lei Complementar nº64/90, a prática da captação ilícita de sufrágio ocorrida em 2010 não autoriza a cassação do diploma ou do mandato eletivo obtido no pleito de 2012.

Por vislumbrar aparente verossimilhança nos argumentos expostos pelo ora recorrente, deferi a liminar pleiteada na Ação Cautelar nº 836-13, ajuizada por João Salame Neto, para conferir efeito suspensivo ao recurso ordinário por ele interposto nos presentes autos, determinando a sua manutenção no cargo de prefeito de Marabá/PA ou, caso ele tenha sido afastado, a sua recondução, se por outra razão não tiver sido substituído.

Reproduzo o teor da decisão em que deferi o pedido de liminar:

João Salame Neto, prefeito de Marabá/PA eleito em 2012, propõe ação cautelar ¿no sentido de comunicar efeito suspensivo ao Recurso Ordinário intentado em 08.11.2013 – Protocolo TRE-PA 43.584/2013 – em face do acórdão TRE-PA 26287 – Processo 3228-38.2012.6.14.0000 que julgou procedente representação promovida pelo Ministério Público Eleitoral […], sob acusação de captação ilícita de sufrágio” (fl. 2).
O autor informa, em resumo, que:

  • a) a Procuradoria Regional Eleitoral do Pará ajuizou, em 17.12.2010, representação contra ele objetivando a cassação de seu diploma de deputado estadual conquistado nas eleições realizadas em 2010;
  • b) a inicial da representação narra a prisão em flagrante, por parte da Polícia Federal, de cinco pessoas, alegadamente oferecendo combustível a eleitores em troca de voto supostamente em benefício do autor;
  • c) “no exame da controvérsia, o e. Tribunal Regional do Pará julgou procedente a ação originária por escassa maioria de votos (3×2)” , impondo-lhe as sanções de multa no importe de 50.000 Ufirs e ¿cassação do diploma de PREFEITO do município de Marabá conquistado no pleito de 2012 como efeito automático da declaração de inelegibilidade, de acordo com o artigo 15 LC 64/1990″ (fl. 4).

Na argumentação da cautelar sustenta, em suma, que:

  1. a) pretende, exclusivamente, sustar a eficácia jurídica do Acórdão nº 26.287 proferido pelo TRE/PA, até o exame da controvérsia por esta Corte, considerando que o recurso ordinário – interposto em 8.11.2013 – possui apenas efeito devolutivo (art. 257 do CE);
  2. b) com a interposição do apelo, realizada no dia em que disponibilizado o acórdão recorrido no Diário da Justiça Eletrônico daquele Tribunal, foi inaugurada a jurisdição do TSE;
  3. c) a plausibilidade jurídica do apelo estaria assentada nas seguintes razões: I. a nulidade absoluta do processo, por ofensa ao art. 5º, LIX e LV, da CF, pois as audiências de inquirição de testemunhas arroladas pelo Ministério Público ocorreram apenas com a presença deste e, embora não negando “que os defensores foram intimados das Precatórias” , não o foram das datas das indigitadas audiências, assim defendendo que, “sem duelar com a súmula 273 STJ, […] era dever constitucional dos Juízos deprecados nomear defensores Ad Hoc para atuar na defesa dos representados” (fl. 7), ressaltando a indisponibilidade do mandato e da plena cidadania; II. a necessidade, caso não seja anulado o julgamento regional, de desconsideração dos depoimentos do Juiz Cristiano Magalhães Gomes (fls. 609-610), dos APFs Atila Cunha e Bruno da Mota Gonçalves (fl. 610), da promotora Daniela Moura (fls. 637-639) e do frentista Danilo Santos; III. versando a ação sobre o seu mandato parlamentar obtido em 2010, ao qual renunciou para assumir a Prefeitura para a qual foi eleito em 2012, eram inaplicáveis a hipótese de inelegibilidade da alínea j do inciso I da LC 64/90 e nova redação do art. 15, respectivamente incluída e alterado pela LC nº 135/2010; assim, estariam caracterizadas as ofensas aos citados dispositivos, por sua indevida aplicação e, também, aos arts. 5º, II e XXXVI; 14, §§ 9º e 10; 16; 29, I; e 102, § 3º, “pela desobediência a repercussão geral na decisão STF RE 633.703” (fl. 14), da Constituição; aos arts. 219 e 259, parágrafo único, do CE; e aos arts. 543-A, § 3º, do CPC, pela não obediência à repercussão geral do julgamento do STF no RE nº 633.703; IV. a inexistência dos elementos do tipo, aptos à caracterização da conduta atinente à captação ilícita de sufrágio; defende, nesse sentido, que “o artigo 41A da Lei das Eleições possui diversos núcleos que devem ser satisfeitos cumulativamente, sob pena de não caracterizar sua incidência” (fl. 15), e que precedentes desta Corte informam que o bem jurídico tutelado é a vontade do eleitor, havendo a necessidade de a benesse ter a este sido entregue; a esse título, tem por violado o mencionado art. 41-A, bem como os arts. 23, da LC nº 64/90 e 131, 332, 333, I, e 334, I, do CPC; V. há risco de dano irreparável ou de difícil reparação, pois ¿o acórdão impôs o afastamento [d]o exercício do mandato de prefeito de Marabá tão logo [h]aja a publicação do acórdão, sendo justo projetar que até o dia 11.11.2013, próxima 2ª feira, o requerente será destituído [d]o mandato” (fl. 17), também aduzindo periculum in mora inverso.

Deduz os seguintes pedidos e requerimentos (fls. 17-18):

  1. Deferir o provimento acautelatório no sentido de sustar a eficácia jurídica do Acórdão TRE-PA 26.287 – Processo 3228-38.2010.6.14.0000, até o julgamento do recurso eleitoral intentado pelo ora requerente pelo colendo Tribunal Superior Eleitoral;
  2. Requer-se a citação do requerido Procuradoria Regional Eleitoral do Pará, autor da representação, via Carta de Ordem endereçada ao E. Tribunal Regional Eleitoral do Pará;
  3. A intimação do senhor Procurador Geral Eleitoral para opinar e acompanhar o feito até a decisão de mérito;
  4. No exame do mérito que seja confirmada a decisão acautelatória, tornando definitivo o provimento liminar eventualmente concedido.
    […]

É o relatório.

Decido.

Observo, do acórdão de fls. 1.049-1.145, que o TRE/PA, por maioria, rejeitou a preliminar de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, suscitadas de ofício por membro daquela Corte em voto-vista, e, no mérito, julgou parcialmente procedente a representação, fixando as seguintes sanções (fls. 1062-1065):
[…]
41. A respeito da multa do representado João Salame Neto, destaco ainda que sua fixação no grau máximo previsto no
art. 41-A da Lei nº 9.504/97 se justifica pelo fato de que o esquema de captação ilícita de sufrágio, na espécie, decorre de sistema complexo, promovido por deputado estadual através de seu assessor, que trabalhou na sua campanha de reeleição, bem como na reiteração da prática, pelo prazo de no mínimo dois meses.
[…]
44. Elucido, ainda, que tal mensuração leva em conta a condição econômica do representado João Salame Neto, que era deputado estadual, nos termos do art. 367, III, do Código Eleitoral. Nesse sentido, ressalto que o deputado do estado do Pará recebe subsídio mensal de R$ 20.042,34 (vinte mil, quarenta e dois reais e trinta e quatro centavos). Ademais, ele atualmente é Prefeito do Município de Marabá, pelo que é necessária a fixação no grau máximo, em observância ao citado dispositivo legal.
[…]
48. A presente condenação enseja ainda a inelegibilidade, para qualquer cargo, de João Salame Neto, pelo prazo de 8 (oito) anos a contar da eleição de 2010, nos termos do art. 1º, I, “j” , da Lei Complementar nº 64/90: […]
50. Impõe-se, ainda, a condenação a João Salame Neto da sanção de nulidade do diploma de Prefeito do Município de Marabá, tendo em mira a presente declaração de inelegibilidade pelo prazo de 8 (oito) anos a contar da eleição de 2010, por força do disposto no art. 15, caput, da Lei Complementar nº 64/90:
“Artigo 15. Transitada em julgado ou publicada a decisão proferida por órgão colegiado que declarar a inelegibilidade do candidato, ser-lhe-á negado registro, ou cancelado, se já tiver sido feito, ou declarado nulo o diploma, se já expedido.”
[…]
Contra tal acórdão, o autor interpôs, com fundamento no art. 276, II, a, do Código Eleitoral, o recurso ordinário cuja cópia se encontra às fls. 19-45, recebido no protocolo da Corte de origem em 8.11.2013
(fl. 1.148), dia seguinte à intimação pessoal (fl. 1.146) realizada em nome de procuradora do requerente habilitada naqueles autos (procuração à fl. 46).

Com efeito, tendo o TRE/PA, em apreciação originária da representação, cassado o mandato de João Salame Neto, é cabível a espécie recursal de ampla devolutividade por ele apresentada.

O recurso ordinário não é sujeito ao exame prévio de admissibilidade, razão pela qual a competência desta Corte é inaugurada com a sua interposição.

Está evidenciado periculum in mora: pelo voto vencedor da eminente Juíza Ezilda Pastana Mutran, relatora da representação na origem,no qual constou que “a nulidade do mandato de João Salame Neto possui efeito imediato” (fl. 1.070), motivo pelo qual determinou “a posse, como Prefeito do Município de Marabá, do atual Vice-Prefeito” (fl. 1.071).

Quanto à plausibilidade do direito invocado, impressiona a tese recursal relativa ao fato de a representação versar sobre o mandato eletivo de deputado estadual, obtido nas eleições de 2010, com aplicação das alterações introduzidas pela LC nº 135/2010, que resultou na cassação do mandato de prefeito obtido nas eleições seguintes, em 2012, sob o fundamento de incidência autônoma do art. 15 da LC nº 64/90.

Sustenta o autor, no particular, que o TRE/PA não poderia, no âmbito de uma representação referente às eleições de 2010, cassar seu diploma obtido no pleito de 2012.

A respeito da tese, na declaração de voto divergente do ilustre Juiz João Batista Viera dos Anjos, Sua Excelência consignou (fl. 1.110):

[…]

Sobre o tema, penso que é relevante asseverar que a representação sobre a qual nos debruçamos é originária das eleições municipais de 2010. Naquela oportunidade um dos representados, no caso o atual Prefeito de Marabá, João Salame Neto, disputou as Eleições Gerais de 2010, concorrendo ao cargo de deputado estadual.

Nessa esteira, não vejo sentido, ou melhor, não há sob o ponto de vista legal, nenhuma norma que sustente a legalidade de ser determinada a cassação do diploma do referido representado, mais especificamente a cassação do seu diploma de prefeito do Município de Marabá.

[…]

Ao apreciar o pedido de liminar em caso similar (MS nº 740-95/PA), no qual o TRE/PA adotou semelhante providência, reconheci a relevância da questão, a recomendar a análise mais detida e a sustação dos efeitos da decisão regional, que poderia ser desafiada por recurso ordinário:

No que tange à relevância dos fundamentos postos na inicial, há, realmente, que se salientar que os fatos considerados como suficientes para a caracterização da conduta vedada não se referiram, propriamente, às eleições municipais disputadas pelo Impetrante em 2008 e 2012, uma vez que dizem respeito à eleição de 2010, na qual o pai do autor foi eleito suplente de deputado estadual.

O órgão coator considerou que tal fato não impediria a cassação do diploma do recorrente, com base no art. 15 da Lei Complementar nº 64/90, uma vez que a condenação por conduta vedada, por decisão colegiada, atrairia a inelegibilidade do impetrante, a teor do disposto na alínea j do art. 1º, I, da referida norma.

No ponto, o impetrante alega que a interpretação do art. 15 da LC nº 64/90 teria sido desvirtuada pelo Tribunal Regional Eleitoral, porquanto tal disposição expressamente estabelece, em seu parágrafo único, que a decisão que declarar inelegibilidade será comunicada ao Ministério Público ou ao Juiz responsável pelo registro de candidatura ou diplomação, o que remeteria a outro procedimento para fins de cancelamento de diploma.

E, a esse respeito, a aplicação do art. 15 da LC nº 64/90, no caso, revela-se não como um efeito imediato da declaração de inelegibilidade.

Também é relevante no presente caso que o acórdão proferido pelo Tribunal Regional Eleitoral do Pará foi tomado em sede de ação originária que versa sobre a expedição de mandato de deputado estadual, razão pela qual ela pode ser desafiada por meio de recurso ordinário, na forma do art. 121, § 4º, III, da Constituição da República.

Igualmente, é relevante saber se os fatos contidos no acórdão regional, que poderão ser amplamente revistos por este Tribunal em sede ordinária, efetivamente caracterizam a prática de conduta vedada e se, a partir de um juízo de razoabilidade e proporcionalidade, a sanção de cassação de diploma realmente se impõe.

De outro modo, também é necessário ressaltar que, em tese, a inelegibilidade prevista na alínea j do art. 1º, I, da LC 64/90 somente fica configurada quando há a cassação do diploma ou do registro.

Todas essas questões serão mais bem examinadas no momento oportuno por esta Corte Superior.

Todavia, neste instante, repito – efêmero -, a conclusão adotada pela Corte Regional paraense aparenta ter certa discrepância com o próprio conceito de inelegibilidade, que, em síntese, significa a impossibilidade de alguém disputar uma eleição, sendo que a aferição da sua incidência, tal como a presença das condições de elegibilidade, se faz no momento do pedido de registro, como determina o art. 11, § 10, da Lei nº 9.504/97, ou, ainda, em sede de recurso contra expedição de diploma, com base no art. 262, I, do Código Eleitoral, caso ela seja superveniente à formalização da candidatura.

Por outro lado, há aparente verossimilhança nas alegações do impetrante de que o mandato eletivo é protegido pela Constituição Federal.

Não bastasse, a decisão de parcial procedência da representação foi tomada por maioria, além do que há a ampla devolutividade do recurso ordinário já interposto, para a detida análise das questões expostas.

Nesse sentido, cito os seguintes precedentes:

AGRAVO INTERNO EM AÇÃO CAUTELAR. ELEIÇÕES 2010. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. USO INDEVIDO DE MEIO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. DEFERIMENTO. MEDIDA LIMINAR. EFEITO SUSPENSIVO. RECURSO ORDINÁRIO. NECESSIDADE. PRESERVAÇÃO. DIREITO. ELEGIBILIDADE. DESPROVIMENTO.
– Caso em que, em razão da ampla devolutividade de que se reveste o recurso interposto e considerando ainda os fatos e fundamentos aduzidos nas suas razões, tem-se por prudente a concessão da liminar, preservando-se a elegibilidade do agravado, mormente quando colocado em debate limites à liberdade de manifestação e de informação.
– Agravo interno a que se nega provimento.
(AgR-AC nº 325-49, rel. Min. Gilson Dipp, DJE de 4.9.2012, grifo nosso.)

AGRAVO REGIMENTAL. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. AÇÃO CAUTELAR. EFEITO SUSPENSIVO. RECURSO ORDINÁRIO. CASSAÇÃO. DIPLOMA. DEPUTADA FEDERAL. ART. 30-A DA LEI Nº 9.504/97. ILICITUDE DA PROVA POR DERIVAÇÃO. PLAUSIBILIDADE DAS RAZÕES RECURSAIS. AMPLA DEVOLUTIVIDADE. FUMUS BONI JURIS. PERICULUM IN MORA. PRESENÇA DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA TUTELA CAUTELAR.

  1. No sistema processual brasileiro são inadmissíveis as provas obtidas por meio ilícito – à luz do disposto no art. 5º, LVI – e as delas derivadas, consoante prevê o § 1º do art. 157 do CPP, segundo o qual “são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)”.
  2. Tendo em vista a relevância da alegação de nulidade das provas por derivação, o que poderá conduzir ao acolhimento das razões recursais, ao menos diante do que se percebe em juízo preliminar, e ainda considerando a possibilidade de nova análise por esta Corte de todo o conjunto probatório dos autos no âmbito dos recursos ordinários interpostos, a prudência aconselha que se preserve a soberania popular até decisão do Tribunal Superior Eleitoral.
  3. Agravo regimental provido para, deferindo a liminar, conceder efeito suspensivo aos recursos ordinários, até seu julgamento por esta Corte. (AgR-AC nº 86-45, rel. Min. Dias Toffoli,: DJE de 22.8.2012, grifo nosso.)

Na linha desses precedentes, a relevância da questão sugere seu melhor exame no momento da apreciação do recurso ordinário, cuja natureza permite que se proceda com apoio no amplo exame das provas obtidas.

Dessa forma, considerando que o recurso em breve chegará a este Tribunal, entendo ser prudente suspender, por ora, os efeitos da decisão regional, sem embargo da posterior análise desta e das demais teses recursais.

Por essas razões, defiro o pedido de liminar formulado por João Salame Neto, a fim de atribuir efeito suspensivo ao recurso ordinário por ele interposto nos autos da Representação nº 3228-38, determinando sua manutenção no cargo de prefeito de Marabá/PA ou, caso tenha sido afastado, sua recondução, se por outra razão não tiver sido substituído.

Comunique-se, com urgência, o Tribunal Regional Eleitoral do Pará e o Juízo da 23ª Zona Eleitoral de Marabá/PA.

Não houve a interposição de recurso contra a decisão na cautelar, conforme certidão de fl. 1.167, tendo sido determinado o apensamento desta aos autos do REspe nº 3228-38.

É o relatório.

Decido.

Os recursos são tempestivos.

João Salame Neto, por meio da sua advogada Juliana Castro Bechara, deu-se por ciente da decisão recorrida de fls. 1.121-1.217, em 7.11.2013, conforme consta da certidão de fl. 1.218, e o recurso foi apresentado em 8.11.2013, sexta-feira (fl. 1.228), por advogados habilitados nos autos (procuração à fl. 1.011). João Salame Neto ratificou as razões do recurso ordinário apresentado em 8.11.2013 (fls. 1.302-1303).

Ariovaldo Miranda Borges e Márcio da Costa opuseram embargos de declaração, cujo julgamento foi publicado no DJE de 10.2.2014, segunda-feira, conforme certidão à fl. 1.300. Em 13.2.2014, quinta-feira (fl. 1.305), interpuseram recurso ordinário por advogado habilitado nos autos (procurações às fls. 392 e 393 e substabelecimento à fl. 1.365).

Érica dos Santos Vilarins e José Carlos Bezerra de Souza, representados pela Defensoria Pública da União, foram intimados em 14.2.2014, sexta-feira (fl. 1323v), da decisão de fls. 1.292-1.299 e interpuseram o apelo em 21.2.2014, sexta-feira (fl. 1.325).

– Ilegitimidade passiva de terceiros não candidatos

Reconheço, de ofício, a ilegitimidade passiva de Ariovaldo Miranda Borges, Márcio da Costa Lima, Érica dos Santos Vilarins e José Carlos Bezerra de Souza para responderem pela infração capitulada no art. 41-A da Lei nº 9.504/97 (captação ilícita de sufrágio), haja vista que eles não eram candidatos.

Nesse sentido, a remansosa jurisprudência:

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2010. REPRESENTAÇÃO. ARTIGO 41-A DA LEI Nº 9.504/97. PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO TERCEIRO NÃO CANDIDATO. RECONHECIDA. PRECEDENTE. CANDIDATO A DEPUTADO ESTADUAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA E INEQUÍVOCA. RECURSO ORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.

  1. O terceiro não candidato não tem legitimidade para figurar no polo passivo da representação calcada no artigo 41-A da Lei nº 9.504/97. Precedente.
  2. O conjunto fático-probatório – prova testemunhal e material – não é suficiente para a caracterização da prática de captação ilícita de sufrágio, preconizada no artigo 41-A da Lei das Eleições.
  3. Recurso ordinário conhecido e provido

(RO nº 6929-66, rel. Min. Laurita Vaz, DJE de 30.5.2014.)

Ressalto que a legitimidade é matéria de ordem pública passível de ser declarada de ofício, especialmente em sede de recurso ordinário, como é o caso.

– Recurso de João Salame Neto

A Corte Regional reconheceu a ocorrência de captação ilícita de sufrágio nas Eleições de 2010, condenando o recorrente à multa, à inelegibilidade por 8 anos e à cassação do diploma de prefeito do Município de Marabá, para o qual foi eleito no pleito de 2012, como efeito automático da declaração de inelegibilidade, de acordo com o art. 15 da LC nº 64/90, incluído pela Lei nº 135/2010.

Alega o recorrente, preliminarmente, que teria havido cerceamento de defesa, haja vista que ele não foi intimado das datas das audiências nos juízos deprecados e que os juízos deprecados não nomearam defensores ad hoc.

No mérito, insurge-se contra a cassação do diploma de prefeito, em razão da não aplicação das inovações da LC nº 135/2010 às Eleições de 2010 e da impossibilidade de cassação do diploma de prefeito, conquistado nas Eleições de 2012, pois se operou o trânsito em julgado tanto do registro da candidatura quanto do diploma. Refuta a ocorrência de captação ilícita, afirmando que o combustível fornecido tinha como finalidade a realização de carreata.

A preliminar não merece prosperar, pois, como o próprio recorrente admite, houve a devida intimação da expedição das cartas precatórias.

Assim, encontra-se satisfeito o requisito processual, cabendo ao advogado diligenciar perante o juízo deprecado sobre a data designada para a realização da prova. Nesse sentido, a Súmula 273/STJ (Intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária intimação da data da audiência no juízo deprecado” ).

A falta de nomeação de defensor ad hoc por parte do juízo deprecado também não acarreta nenhuma nulidade. Nos processos de natureza cível, se há defensor constituído e ele opta por não comparecer à audiência, não há obrigatoriedade de constituição de defensor ad hoc. Ademais, não houve nenhuma demonstração de prejuízo à defesa.

Quanto à cassação do diploma de prefeito conquistado no pleito de 2012, por fato vinculado às Eleições de 2010, de fato, o tribunal regional incorreu em equívoco.

O art. 15 da LC nº 64/90, incluído pela LC nº 135/2010 (¿Transitada em julgado ou publicada a decisão proferida por órgão colegiado que declarar a inelegibilidade do candidato, ser-lhe-á negado registro, ou cancelado, se já tiver sido feito, ou declarado nulo o diploma, se já expedido” ) não tem o alcance que lhe emprestou o acórdão regional.

Observo que esse artigo está inserido no contexto do pedido de registro de candidatura, onde se apura a presença de eventuais causas de inelegibilidade.

A inelegibilidade, que, em síntese, significa a impossibilidade de alguém disputar eleição, é aferida apenas no momento do pedido de registro, como determina o art. 11, § 10, da Lei nº 9.504/97, ou, ainda, caso ela seja superveniente à formalização da candidatura, em sede de recurso contra expedição de diploma, com base no art. 262, I, do Código Eleitoral.

Ultrapassados esses dois momentos, sem que tenha havido a pertinente impugnação, não há mais como argui-la como causa única para a cassação do registro ou do diploma.

A inelegibilidade surgida posteriormente à diplomação, como é o caso, somente repercutirá em eleições futuras, por ocasião de eventual pedido de registro de candidatura.

Portanto, não poderia ter sido cassado o diploma de prefeito obtido nas Eleições de 2012, por conta de inelegibilidade declarada somente em 2013, no momento do julgamento deste processo, por fato ocorrido nas Eleições de 2010.

Entendo, ademais, que a própria ocorrência de captação ilícita de sufrágio não ficou suficientemente comprovada.

De acordo com a inicial, a captação ilícita de sufrágio teria ocorrido mediante a distribuição de combustível a eleitores. Essa situação teria sido verificada pelo juiz eleitoral e pela promotora em fiscalização realizada na véspera das Eleições de 2010, na qual foram apreendidas requisições de combustível, relação com dados pessoais de eleitores, relação com nomes e placas de veículos, propaganda eleitoral de candidato e dinheiro em espécie (R$ 14.598,00).

Os responsáveis sustentam que o combustível fornecido tinha como finalidade a realização de carreata.

Mostra-se crível a justificativa.

Todos os envolvidos nas oitivas realizadas por ocasião da prisão em flagrante sustentaram, de forma uníssona, conforme termos de depoimentos e interrogatórios às fls. 21-37, que o combustível fornecido tinha como finalidade a participação na carreata.

Márcio da Costa Lima afirmou que faz parte do comitê do deputado estadual João Salame; que ontem na reunião do comitê foi chamado, juntamente com seu cunhado Ariovaldo, para participar de uma carreata em favor da campanha do mesmo; que hoje pela parte da manhã o interrogado novamente participou de uma reunião no comitê, onde foi decidido que seria feita uma concentração em frente ao aeroporto para dar início à carreata; que antes de se dirigir ao aeroporto parou no `Posto Bolinha, da Nova Marabá, para abastecer parte dos carros de som que iriam fazer frente à carreata”

(fl. 33).

Até o agente da Polícia Federal Marcelo Alexandre Lima Alves, o qual conduziu os presos em flagrante, afirmou que determinado pelo DPF Robert, conduziu os senhores Ariovaldo Miranda Borges e José Carlos Bezerra de Souza à Delegacia de Polícia Federal em Marabá; que aquele Ariovaldo afirmou que é eleitor do Deputado Estadual João Salame e que iria participar de uma passeata para o mesmo; que Ariovaldo também afirmou que iria abastecer o carro do nacional Márcio, que acha ser alugado para campanha; que na delegacia entrevistou a nacional Nairan Araújo Saraiva, natural de Marabá-PA, nascida em 31/10/1975, filha de Océlia Costa de Araújo, RG 3141400 PC-PA, 2ª via expedida em 17/09/2004; que a mesma portava dois cupons de abastecimento em branco; que estes cupons são expedidos após o abastecimento; que um deste era referente ao abastecimento de um carro de cor vermelha e o outro de duas motocicletas; que estes três veículos participariam da carreata” (fl. 22). Tais declarações, em linhas gerais, foram reiteradas em depoimento judicial (fls. 1.013-1.014).

O único depoimento a negar a realização da carreata foi da promotora de justiça, que afirmou ¿que não havia carreata porque era véspera do dia da eleição” (fl.638). No entanto, essa afirmação contém presunção equivocada, pois é permitida carreata até às 22 horas do dia que antecede as eleições, nos termos do art. 39, § 9º, da Lei nº 9.504/97.

Assim, certo é que não havia impedimento legal à realização da carreata, e os depoimentos bem como os interrogatórios são unânimes no sentido de que haveria, sim, a realização de carreata em favor de João Salame.

Consequentemente, o fato de ter havido distribuição de combustível com a finalidade de participação em carreata não é bastante para constituir, por si só, ilícito eleitoral, conforme sólida jurisprudência desta Corte:

DOAÇÃO DE COMBUSTÍVEL – CAMPANHA ELEITORAL VERSUS CAPTAÇÃO DE VOTOS.

A doação de combustível visando à presença em comício e ao apoio a campanha eleitoral não consubstancia, por si só, captação vedada pelo artigo 41-A da Lei nº 9.504/1997.

[…]

(REspe nº 409-20, rel. Min. Marco Aurélio, DJE de 27/11/2012.)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. ELEIÇÕES 2006. DEPUTADO ESTADUAL. REITERAÇÃO DE RAZÕES DA PETIÇÃO INICIAL. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA.

I – O agravante deve atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada, não se limitando a reproduzir as razões do pedido indeferido (Súmula 182 do Superior Tribunal de Justiça).

II – Não configura captação ilícita de sufrágio a distribuição de combustível para cabos eleitorais participarem de ato lícito de campanha. Precedentes.

III – Decisão agravada que se mantém pelos seus próprios fundamentos.
IV – Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgR-RCED nº 726, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJE de 03/11/2009.)

Diante disso, é necessário examinar os outros elementos que, no entender do Ministério Público, configurariam a captação ilícita, particularmente as listas com nomes e placas de veículos e com nomes de eleitores, bem como o fato de ter sido apreendido dinheiro em espécie.

Na fiscalização, foram apreendidas duas listas.

Uma com nome de 8 (oito) pessoas, e, ao lado dos nomes de 6 (seis) delas, seguiam-se placas de veículos (fl. 242), a seguir transcritas:

[…]

MÁRCIO E ARI
MÁRCIO – 1
NAYANA – 1 – PLACA NSQ-7512
JOANILSON – 1 – PLACA NSM-8744
JOCENILSON – 1 – PLACA NSK-7574
ANDRÉ – 2 – CARRO – DBK-4740
ANDRÉ – 1 – MOTO – NSQ 6702
ARY – 1 – MOTO – NUS-6782
HELIO – 1 – MOTO

[…]

E outra com nomes de 10 (dez) eleitores e respectivos títulos eleitorais e seções eleitorais (fl. 243), a seguir transcritas:

Nº Seção
Jader Wilson Amador 009446621376 0506
Roseane da Silva Lavour 39328401368 0436
Iracilda Bastos 040882521171 0042
Edinete Baima 055206811368 155
Cleudenice Pereira 051817761341 0678
Lucinete Alves Silva 325261913/92 524
Patricia Bentil da Silva 061391061392 0940
Darla dos Santos Costa 09072911368 439
José Maria da Cruz Cardoso 009693901341 485
Gloria Maria Amador Cardoso 9685731317 0506

Quanto à listagem com os nomes de pessoas acompanhadas das placas de veículos, nenhuma diligência foi feita junto à autoridade de trânsito para identificar os proprietários dos veículos e ouvi-los sobre os fatos.

Assim, não é possível afirmar que tinham por finalidade a captação de sufrágio.

Além disso, a quantidade de pessoas beneficiadas é bastante reduzida e concentrada toda num único dia, justamente no dia da carreata.

Em relação à listagem com nomes e títulos de eleitores, a autoridade policial ouviu dois deles.

Edinete Silva Baima disse que não possui veículo, bem como seu marido; (…) que não trabalhou na campanha eleitoral de nenhum candidato este ano; que iria trabalhar para o candidato João Salame, fazendo boca de urna, mas não foi porque teve receio de não receber; (…) que a responsável pela contratação da depoente era uma senhora chamada Marina” (fl. 229).

José Maria da Cruz Cardoso disse que não possui carro ou moto, fazendo sua locomoção de ônibus ou a pé; que não trabalhou nestas eleições para nenhum candidato; que sua esposa Glória Maria Amador Cardoso apoiou a candidatura de Tião Miranda e Jeferson Peres, amigo pessoal do casal; (…) que seu filho Jader Wilson Amador Cardoso trabalha como servidor concursado deste hospital; que Jader é casado com Roseane da Silva Lavour; que seu filho também não possui carro ou moto; que seu filho mora nos fundos da casa do depoente; que não sabe informar se seu filho trabalhou para algum candidato; (…) que seu filho Jader solicitou o Título Eleitoral do Depoente, da sua esposa, e de Roseane para trabalharem de boca de urna para um candidato que não sabe informar mediante o pagamento de R$ 50,00″ (fl. 231). Observo que Glória Maria Amador Cardoso, Jader Wilson Amador Cardoso e Roseane da Silva Lavour, parentes do depoente e por ele citados, constam da listagem.

Assim, a partir desses depoimentos, pode-se concluir que as pessoas indicadas na listagem apreendida na fiscalização nada tinham a ver com o abastecimento de combustível, mas, sim, com a possível contratação para trabalho de boca de urna, o que acabou não ocorrendo.

Quanto ao dinheiro apreendido, verifica-se que as quantias estavam em poder de duas pessoas.

Márcio da Costa Lima teve apreendidos R$ 1.078,00. No momento da prisão em flagrante, afirmou que o dinheiro era proveniente do seu salário e que havia sido sacado da sua conta corrente no dia anterior (fls. 33-34). Essa afirmação foi confirmada com a apresentação do extrato bancário à fl. 152, em que consta o crédito do salário e subsequente saque no terminal eletrônico da quantia de R$ 1.000,00 no dia informado. O comprovante foi apresentado junto com o pedido de restituição do dinheiro apreendido (fls. 150-151). Assim, fica esclarecida a origem dessa quantia, nada indicando que seria utilizada para compra e distribuição de combustível.

Resta, então, o valor de R$ 13.520,00, apreendido com Érica Santos Vilarins. Segundo ela, o dinheiro seria referente à negociação de revenda de automóvel realizada pelo seu cônjuge. Em interrogatório, José Carlos, o cônjuge, confirmou a transação e acrescentou que os recursos seriam provenientes da venda de um veículo no dia anterior e que tais recursos pertenceriam à empresa Leasing Veiga (fl. 35). No entanto, não foi apresentado nenhum documento comprobatório disso, tampouco os dois réus foram encontrados para citação ou mesmo para procurarem obter a restituição do dinheiro.

Embora essas circunstâncias tornem suspeita a origem, a propriedade e a destinação que ia ser dada a essa quantia, entendo que não há nenhum elemento que a vincule à aquisição e à distribuição de combustível a eleitores, pois, segundo os depoimentos, o combustível já estava pago e era fornecido mediante a apresentação de requisições.

A gerente do posto, Jucélia Gomes Soares, também presa, afirmou que ontem à tarde um cliente do Posto chamado Paulinho telefonou para a Interrogada e solicitou a compra de R$ 2.000,00 (dois mil reais) de gasolina comum; que Paulinho informou que era para dividir em requisições de dez litros de gasolina para cada abastecimento; que Paulinho informou à Interrogada que era uma pessoa chamada “Carlinhos” ia pegar as requisições; que “Carlinhos” pegou as requisições no dia de ontem; (…) que as requisições que foram apreendidas no escritório do Posto já identificavam que haviam sido abastecidos vários veículos” (fls. 31-32). Tais declarações foram reiteradas em depoimento judicial (fls. 545-547).

As afirmações da gerente do posto são corroboradas pelas 18 requisições de combustível em nome de “Carlinhos” , todas com o mesmo quantitativo de 10 litros, que foram apreendidas e estão juntadas às fls. 244-252.

De acordo com os autos de apreensão, 13 requisições foram apreendidas em poder de Jucélia (vide Auto de apreensão à fl. 51), significando que já haviam sido utilizadas, isto é, que os veículos já tinha sido abastecidos, e 6 requisições foram apreendidas com Márcio da Costa Lima (fl. 53), indicando que ainda não haviam sido utilizadas. Observo, apenas, que a requisição de nº 003917, à fl. 251, apreendida no escritório do posto, não foi reconhecida pela gerente do posto como vinculada à aquisição feita por Carlinhos, pois está sem a sua assinatura nem está no nome dele.

Portanto, as provas nos autos indicam que “Paulinho” , apoiador da campanha de João Salame, é quem adquiriu o combustível no dia 1º.10.2010 e solicitou à gerente do posto a emissão de requisições de combustíveis, divididas em 10 litros cada uma, e a entrega das requisições a José Carlos Bezerra de Souza (Carlinhos), funcionário da campanha de João Salame. Comprovou-se que foram utilizadas doze requisições, cada uma com 10 litros, e havia mais 6 requisições a ser utilizadas.

Ou seja, o combustível já havia sido previamente adquirido e estava sendo distribuído por meio dessas requisições.

Essa circunstância também foi relatada por Danilo de Jesus Campos Santos, frentista do posto Bolinha, o qual afirmou que o combustível já estava comprado por uma pessoa de nome Márcio da Costa Lima, e que seria[m] abastecido[s] os automóveis das pessoas que apresentassem uma requisição” (fl. 1.074).

A divergência sobre quem teria comprado o combustível provavelmente se deve ao fato de que, segundo o frentista, era Márcio da Costa Lima “quem controlava as requisições” , daí ter suposto que ele teria comprado o combustível.

De qualquer modo, o certo é que o combustível já estava comprado anteriormente, não servindo para essa finalidade a quantia de R$ 13.520,00 apreendida.

Portanto, entendo que as quantias em dinheiro em espécie apreendidas não servem como elemento indiciário de que estava havendo captação ilícita de sufrágio por meio da distribuição de combustível a eleitores.

Na verdade, há somente um único depoimento que aponta a ocorrência de captação ilícita de votos por meio da distribuição indiscriminada de combustível a eleitores, prestado por Danilo de Jesus Campos Santos, frentista do Posto Bolinha.

No dia da prisão em flagrante, Danilo de Jesus Campos Santos, frentista do posto Bolinha, onde ocorreram os fatos, disse que ¿hoje começou sua jornada a partir das 11:00 até o momento em que o posto foi abordado pelo juiz eleitoral, promotora eleitoral e policiais, aproximadamente às 15:30; (…) que durante o trabalho o depoente realizou o abastecimento de aproximadamente 5 (cinco) veículos com requisição, mas não sabe quantos veículos estavam abastecendo com requisições junto com seus colegas de trabalho; que o movimento no posto de combustíveis estava intenso; que dentre estes veículos havia carros de som e veículos comuns” (fl. 222).

Posteriormente, em depoimento judicial (fls. 1.074-1.075), Danilo acrescentou outros fatos, tendo dito que, antes da operação realizada pela Justiça Eleitoral, “o posto em que trabalhava o declarante já estava abastecendo o carro de eleitores que compareciam com as requisições; (…) que mais de 40 veículos passavam no posto por dia para abastecer com as requisições; (…) que os representados ficaram abastecendo os carros de terceiros com requisições durante 2 meses” .

Embora não se negue a gravidade dessas afirmações, elas não se fazem acompanhar de outras provas que corroborem o afirmado. Assim, esse único depoimento não é bastante para fundamentar a condenação.

Nesse sentido:

REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PREFEITO, VICE-PREFEITO, VEREADOR E SUPLENTE.

  1. 1. Não há intempestividade reflexa dos recursos especiais, pois, embora os embargos de declaração na Corte Regional Eleitoral não tenham sido conhecidos, eles não foram declarados protelatórios. Na linha da jurisprudência deste Tribunal: “Para reconhecimento do caráter protelatório dos embargos, impõe-se não só a declaração de serem protelatórios, mas que haja fundamentação específica e autônoma” (AgR-REspe nº 250-13, rel. Min. Luiz Carlos Madeira, DJe de 23.9.2005).
  2. A eventual ofensa a dispositivo de regimento interno não enseja o cabimento de recurso especial. Não há nulidade quando o magistrado que não assistiu ao relatório e à sustentação oral se declara apto a votar. Precedentes.
  3. Nas representações que versam sobre captação ilícita de sufrágio, não há obrigatoriedade de formação de litisconsórcio entre o candidato e todos aqueles que teriam contribuído para o ilícito. Precedentes.
  4. Não há nulidade da prova se os depoimentos considerados pelas decisões recorridas foram colhidos na fase judicial, com a observância do contraditório e da ampla defesa.
  5. Para que a prova testemunhal possa ser considerada robusta e apta para fundamentar sentença condenatória, é necessário que ela seja corroborada por outros elementos de prova – testemunhais ou documentais – que afastem qualquer dúvida razoável sobre a caracterização da captação ilícita de sufrágio.
  6. Não se mostra juridicamente possível considerar, como fez o acórdão regional, que um único testemunho colhido em dissenso com as demais provas dos autos tenha valor probante suficiente para caracterizar a captação ilícita de sufrágio.

Recursos especiais providos.

Ações cautelares julgadas procedentes.

(AC nº 1762-57, rel.Min. Henrique Neves, DJE de 22.10.2015.)

Portanto, com base na apreciação do conjunto fático-probatório dos autos, concluo que não há provas hábeis a embasar, com o grau de robustez e certeza necessário, a ocorrência de captação ilícita de sufrágio.

Ante o exposto:

  • a) reconheço, de ofício, a ilegitimidade passiva de Ariovaldo Miranda Borges, Márcio da Costa Lima, Érica dos Santos Vilarins e José Carlos Bezerra de Souza, ficando prejudicados os recursos; e
  • b) conheço do recurso interposto por João Salame Neto e lhe dou provimento para, reformando o acórdão recorrido, julgar improcedente a representação, nos termos do art. 36, § 7º, do Regimento Interno. Por consequência, julgo procedente a ação cautelar.

Publique-se.
Intime-se.

Brasília, 23 de novembro de 2015.

Ministro Henrique Neves da Silva
Relator