Prestes a inaugurar uma “nova era”, Carajás completa amanhã 46 anos de descobrimento

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Amanhã, completam-se 46 anos do descobrimento das jazidas de ferro de Carajás, no Pará. Em 31 de julho de 1967, o geólogo Breno Augusto dos Santos desceu de helicóptero em uma serra da região e, enquanto a aeronave era abastecida pelo piloto, começou a quebrar os primeiros blocos com seu martelo: “O pó marrom-avermelhado indicava que a crosta da clareira correspondia a uma “canga” de minério de ferro [canga é uma área rica em minério na superfície] “, escreveu Santos, 73 anos, ao relatar suas memórias sobre os primórdios de Carajás. A descoberta, inesperada, mudaria a história da Vale e do Brasil e colocaria, no mapa da mineração mundial, a Serra dos Carajás, nome cuja origem remete a antigos mapas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Quase cinco décadas depois, a Vale se prepara para dar um salto na produção de minério de ferro na região com base em novas tecnologias de extração e de beneficiamento no projeto batizado de S11D, na Serra Sul de Carajás. É uma área nova a ser explorada, uma vez que até agora a produção de minério se concentrou na Serra Norte. “Carajás vai inaugurar uma nova fase com a implantação do S11D”, disse Santos, em entrevista ao Valor. Ele visitou o projeto em maio e se surpreendeu com o que viu: “O mais impressionante é que a planta de beneficiamento está sendo construída a cerca de 45 quilômetros de distância [em relação à área da mina] e será transferida, em módulos, o maior com dimensão de 19 metros por 50 metros, por carretas especiais.”

No S11D, ou projeto Serra Sul, o minério será extraído do subsolo, coletado por escavadeiras e depositado em britadores móveis, que vão alimentar correias transportadoras que levarão o produto até a usina de beneficiamento. O sistema dispensa o uso de caminhões fora de estrada e reduz o consumo de diesel. Há ainda outras inovações como o fato de o processamento do minério não fazer uso de água, o que descarta barragens de rejeitos. Com isso, reduz a intervenção em ambientes nativos.

Natural de Olímpia (SP), Santos viveu 18 anos no Pará, onde inclusive ganhou o título de cidadão paraense. Hoje, morador de Niterói (RJ) tem visão crítica sobre a forma como se deu o desenvolvimento sócio-econômico da região de Carajás, onde, segundo ele, ainda existem poucas áreas preservadas graças à implantação do projeto de ferro pela Vale. Cita a Floresta Nacional de Carajás (Flonaca) e a Floresta Nacional Tapirapé-Aquiri (Flonata), além da reserva indígena dos Xicrins. “Em volta se desmatou tudo, margem de rio, topo de serra.”

Segundo Santos, quando se fez o projeto de Carajás, em pleno regime da ditadura militar [1964-1985], com governo centralizado, se perdeu oportunidade de fazer um zoneamento ambiental para orientar a ocupação na região de Carajás. “Prevaleceu o faroeste americano, na base da bala, de quem chegasse primeiro.” Ele também entende que houve incompetência do Brasil de aproveitar a riqueza de Carajás para desenvolver melhor a região agregando tecnologia para aumentar o valor do ferro: “Se Carajás fosse na China, na Coreia ou na Alemanha, de lá estariam saindo automóveis, locomotivas ou computadores.” “Mas essa não é uma função da Vale.”

Para Santos, Carajás continuará a ser uma reserva ímpar: “Dificilmente haverá um negócio mineral no mundo tão bom quanto o ferro de Carajás porque a qualidade é tão excepcional e o minério tão simples de ser explorado, que a margem se torna maior do que qualquer outra jazida.” E previu: “A Vale [com o S11D] vai se tornar cada vez mais imbatível no minério de ferro. Se o preço cair, Carajás não fecha porque tem robustez, custo de produção baixo, qualidade [alto teor de ferro] e logística excepcional”, afirmou.

Na visão dele, antes mesmo de ser uma empresa de mineração, a Vale é uma companhia de logística. “A Vale é ótima em pegar jazida de ferro de excepcional qualidade, usar grandes equipamentos e levar por trem até navios. E é imbatível em jogar esse minério do outro lado do mundo de maneira competitiva, mas em mineração ainda pode aprender alguma coisa.” Santos disse que a empresa aprendeu a trabalhar com minério relativamente fácil, mas agora, até pela tendência de exaustão de jazidas em Minas Gerais, começou a investir no beneficiamento de minério tipo itabirito duro, mais pobre. Segundo ele, a Vale precisa se aculturar em outros bens minerais e cita o exemplo dos metais: “A Vale tem uma equipe excepcional que está aprendendo a trabalhar com cobre”.

O projeto S11D recebeu este mês do Ibama a última licença ambiental que faltava, liberando a Vale para levar o projeto adiante. A previsão é que entre em operação em 2017, com investimentos de US$ 19,5 bilhões, e capacidade de produzir 90 milhões de toneladas de minério de ferro por ano. Quando o S11D estiver em plena operação, a produção total de minério de ferro da Vale no Pará vai atingir 230 milhões de toneladas por ano.

Questionado se no futuro novas frentes de exploração poderiam ser abertas pela Vale na Serra Sul de Carajás, Santos perguntou: “Interessa à Vale e ao país fazer isso?” Na visão dele, é importante que o minério de ferro de Carajás seja explorado com uma visão de longo prazo, sem a pressão do novo marco regulatório que tramita no Congresso Nacional. Em 2012, Carajás produziu 106,7 milhões de toneladas de ferro.

Quando Carajás foi descoberta, a Vale era a maior empresa do Brasil e produzia 10 milhões de toneladas de minério de ferro por ano em Minas Gerais, algo como 3% das 320 milhões de toneladas extraídas pela mineradora no ano passado. Apesar de a descoberta ter ocorrido no fim dos anos de 1960, Carajás só entrou em operação em 1985, há 28 anos. Mas a riqueza dessa província mineral já era atestada, na ocasião, por personagens importantes, como o então primeiro-ministro da China, Zhao Ziyang.

Em novembro de 1985, Zhao visitou a Serra dos Carajás, um complexo de cristas e chapadas que se elevam a uma altitude de 660 metros acima do nível do mar, e, segundo a lenda, teria expressado sua surpresa com aquelas reservas: “Seus antepassados devem ter agradado a Deus para que Ele lhes tenha dado tanto.” O relato consta do livro sobre os 70 anos da Vale, publicado em 2012.

Na década de 1970, levantamentos geológicos indicaram a existência de cerca de 18 bilhões de toneladas de minério em Carajás com teor médio de 66,1% de ferro. Mas Santos acredita que com o detalhamento da pesquisa os recursos possam ser “sensivelmente” maiores porque os primeiros levantamentos não incluíam o itabirito duro. Os recursos estão concentrados em quatro jazidas principais, chamadas de N1, N4 e N5, na Serra Norte, e S11, na Serra Sul. O S11D é um bloco dentro do corpo (área) denominado S11, cujo potencial mineral é de 10 bilhões de toneladas de ferro, sendo 2,78 bilhões de toneladas no bloco D.

Nessas quase três décadas de operação, as jazidas de ferro de Carajás se consolidaram pelo seu baixo custo de produção. E também garantiram lugar como fonte de suprimento de qualidade para a indústria siderúrgica mundial. Essa primeira fase, com a exploração de minas de ferro no lado norte da serra, continua e ainda tem muitas reservas a serem exploradas, segundo Santos, cuja vida se mistura à de Carajás. “É como um filho, inclusive no meu testamento está escrito que, quando morrer, minhas cinzas serão jogadas em Carajás se a Vale e o Ibama deixarem, já que se trata de uma reserva natural.”

Na época do descobrimento das jazidas de ferro, Santos estava desempregado e apresentou currículo ao geólogo americano Gene Tolbert, que havia sido seu professor na Universidade de São Paulo, onde se graduou como geólogo em 1963. “Ainda hoje me considero um capataz da geologia que sempre tive sorte de trabalhar com uma boa equipe e construímos sonhos e ideais que se transformaram em realidade.” Funcionário da Vale por 27 anos, Santos entrou na empresa como gerente na Amazônia e se aposentou como presidente da Rio Doce Geologia e Mineração (Docegeo), responsável pelo programa de exploração geológica da mineradora. Em 2003, a Docegeo foi extinta e a equipe de geólogos absorvida pela Vale. Ele também foi secretário de Minas e Metalurgia do Ministério de Minas e Energia entre 1994 e 1995.

Quando Santos submeteu seu currículo a Tolbert, o ex-professor começava um programa de exploração geológica conduzido pela Companhia Meridional de Mineração, filial brasileira da United States Steel (USS), então a maior siderúrgica do mundo, cujo objetivo era encontrar reservas de manganês, insumo usado na produção de aço.

Contratado, Santos seguiu em 1967 para o Pará, onde um ano antes uma subsidiária da Union Carbide havia descoberto jazida de manganês perto de Marabá, na Serra do Sereno, para uso na produção das pilhas Eveready. A Serra do Sereno fica a cerca de 15 quilômetros de uma das jazidas de ferro de Carajás, mas, apesar da proximidade, ainda não havia sido descoberto nem ouro nem ferro no local. Aos 27 anos, Santos tornou-se chefe de uma equipe de campo da Cia. Meridional de Mineração, que chegou a ter 250 homens trabalhando com apoio de helicópteros na Serra dos Carajás.

Tolbert, o chefe do projeto, temia que se sua equipe ficasse em Marabá (PA), pois as informações sobre o projeto poderiam vazar para os geólogos concorrentes da Union Carbide. Assim, Santos seguiu para Altamira, no interior do Estado, mas a Union Carbide desconfiou do movimento e se antecipou e alugou uma casa onde a equipe de Santos pretendia se instalar. Havia a opção de seguir para São Félix do Xingu, na época uma vila com mil habitantes e uma só rua que servia também de pista de pouso. “Me neguei a ir para lá pois havia muitas pessoas com lepra e tuberculose.”

Informado por pilotos, Santos ficou sabendo que havia pistas de pouso ao longo do rio Xingu. Em julho de 1967, escolheu um seringal na ilha de São Francisco para montar uma base. O improviso com que sua equipe trabalhava faz Santos compará-la ao “incrível exército de Brancaleone”, em referência ao filme de Mário Monicelli, que narra a saga de um atrapalhado grupo de soldados que tenta conquistar o reino dos sonhos na Europa medieval.

Após sobrevoos de helicóptero na serra comprovou-se que as clareiras eram todas iguais. “Era tudo ferro”, diz o geólogo.

Naqueles dias, a equipe recebeu fotos aéreas de um programa do governo brasileiro que tornar-se disponíveis. As imagens mostravam grandes clareiras na floresta. Pelas fotos se percebeu também que era preciso mudar de acampamento para ficar mais próximo das áreas favoráveis à busca de manganês.

Em meados de julho de 1967, houve a decisão de mudar a base para uma aldeia dos índios Xicrins, no rio Cateté. Ao descer, a equipe soube que havia uma pista recém construída em um castanhal existente na confluência do igarapé Cinzento com o rio Itacaiúnas. “O Castanhal do Cinzento foi o trampolim para entrar em Carajás.”

A partir dali, começaram voos de reconhecimento. Foi em um deles, em 31 de julho de 1967, que Santos e o piloto José Aguiar pousaram para abastecer o helicóptero na clareira de uma serra, batizada pelo geólogo como Serra Arqueada e que assim passou a ser conhecida. Ao coletar o material, Santos verificou que se tratava de minério de ferro e se perguntou se as demais clareiras da região também seriam do mesmo mineral, o que poderia constituir um dos maiores depósitos de ferro do mundo. Mas seria impossível que depósitos tão grandiosos, aflorantes na superfície, ainda não tivessem sido descobertos, quando o homem já se preparava para pousar na lua, relembrou Santos em um artigo.

Informado por telefone da presença de ferro, Tolbert minimizou a descoberta e recomendou seguir com a busca de manganês. Mas a continuidade dos sobrevoos de helicóptero comprovaram que as clareiras eram iguais. “Era tudo ferro”, disse Santos. Finalmente Tolbert visitou as jazidas e constatou sua grandeza. Segundo Santos, seu chefe teria ficado contrariado, pois entendeu que era um negócio grande demais para a United States Steel. Mesmo assim, a empresa encaminhou 32 requerimentos de pesquisa ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) com cinco mil hectares cada um, o que perfazia área de 160 mil hectares. Embora a US Steel tivesse o direito preferencial para pesquisar as jazidas, suas pretensões de fazer a exploração sozinha não foram bem-vistas pelo governo brasileiro.

O DNPM manteve paralisado até 1969 o processo de concessões de alvarás na região. Foi quando o governo negociou a participação da Vale, como sócia majoritária, em projeto de pesquisa mineral abrangendo os 160 mil de hectares. Foi criada a Amazônia Mineração (AMZA), joint venture na qual a Vale tinha 51% e a US Steel, 49%. Caberia à AMZA implantar o Projeto Ferro Carajás.

Em junho de 1977, após divergências entre os sócios, a US Steel saiu do projeto recebendo indenização de US$ 50 milhões. Assim, a Vale tornou-se a única acionista da AMZA, embora na época ainda considerasse Carajás como “uma aventura distante”. De lá pra cá, a empresa transformou a descoberta de Santos em uma realidade que agora promete novamente se transformar. (Valor Econômico)